Acordei na Internet
E se uma rede social fosse, de fato, sua vida social?
Não gosto do que vejo no espelho. Assim que passo minha mão pelo meu queixo, ele fica embaçado, mesmo que sem nenhuma razão. Tudo que consigo ver... Parece que algo está escrito como se alguém usasse os dedos: “Alterar foto”. Assim que tiro a mão do rosto, a mensagem se apaga. O que está acontecendo, não sei.
Então percebo como meus dedos são capazes de percorrer anos de fotos minhas. Meu rosto, só por hoje, é misterioso. Se alguém perguntar, digo que é uma daquelas fotos velhas, jogadas. “Foi a que achei”. Toco de novo o rosto com as pontas dos dedos. Apesar do susto, agora gosto do que vejo. E continuo a perguntar o que foi isso.
Como de costume, dirijo-me à saída para pegar o jornal. Parece que há algo na porta. Mais dois passos e constato serem imagens. Três passos mais são suficientes para concluir: são rostos. Uma olhada mais cuidadosa, já de cara na porta, me preocupa até certo ponto: conheço tais pessoas, mas não todas.
O susto no banheiro não se compara ao frio que percorre minha espinha quando leio “Visitantes recentes”.
- “Visitas? Eles estiveram aqui, todos? E quem é ‘●• ツ ●๋•’?
Caminhar pelo quintal até alcançar o jornal sempre foi pacato, corriqueiro. Passos curtos, uma olhada rápida pela vizinhança, o caderno de esportes e o caminho de volta até a porta. Desta vez, tudo foi diferente. Eu estava assustado ao abrir a porta, mas calei-me com o que vi e ouvi depois.
As pessoas falam a esmo – parece que para ninguém, isso quando não gritam – frases curtas, desconexas. Ou então, quando quietas, têm suas ações amplificadas. Elas se expõem por mensagens curtas ou por pequenos gestos. Tão pequenos que são frequentemente substituídos e atualizados.
Enfim, concentro-me no jornal. Apesar de muitas, as pessoas ao redor me parecem alheias. Não é difícil perceber que elas não estão em exibição para mim. Pura e simplesmente, elas querem estar em todos os lugares, eu sou uma consequência.
Ah, sim. Estou aqui pelo jornal. Ele parece diferente. Está menor. Meu caderno favorito é o de esportes. Não o encontro. Tudo o que posso folhear é um caderno maior, “Novidades”. Dentro, um menor. “Felipinho faz aniversário no dia 22 de maio, Ana faz aniversário no dia 23 de maio.”
Eu não sabia. Ao lado da manchete, pude ler “Escreva um recado para Felipinho”. Escrevi em uma espécie de papel em alto relevo que simplesmente se recolheu depois que escrevi a mensagem. Para onde ela foi, não tinha ideia.
Até que abri minha caixa de correio, que, de discreta e de difícil acesso, virou transparente. Qualquer um pode facilmente colocar a mão para pegar os vários pedaços de papel dentro dela. Começo a ler cada um deles. São textos curtos, como recados. “Dia de prova é um baita estresse mesmo, não?”, “É muita falta de sacanagem!!!”, “HAHAHAHAHAHA” e um mais recente: “Opa, valeu pelo parabéns! Vou fazer festa este fim de semana, aparece lá!”.
Percebo um pequeno compartimento separado, este está trancado. Tentarei usar minha chave depois. Mais pequenos papéis encontro perto do lixo. Todos eles parecem santinhos, propagandas e afins. Estão no lugar que lhe cabem, presumo.
Minhas notícias, não encontro. Estou dentro de um pesadelo? Eu troquei de rosto mais facilmente do que faço a barba. Recebi visitas, ou fui informado sobre elas, e ainda acompanhei uma espécie de noticiário que mais parecia um desfile. A rua não me parece tão segura, decido voltar.
Entro em casa e caminho quase nada até ouvir a campainha. Engraçado, agora que ouvi esse som, percebo que a sequência é um tanto óbvia. Uma machadada precisa no meu pescoço é o final perfeito deste roteiro complicado.
Mas não. É apenas... Uma pessoa. Sem machado, pelo menos um visível. “Oi. Add aí!”, ela me diz. “Como?”, pergunto sem entender nada nem reconhecer o rosto, que me parece desfocado e pessimamente refletido em um espelho mequetrefe. Não tenho resposta. A pessoa permanece estática.
- “Quem é você?”, pergunto para novamente não ouvir resposta. “Tudo bem, acho que você quer entrar”. Senti-me mais ou menos como convidando um vampiro, assim assinando meu atestado de estupidez. Além do atestado de óbito, claro.
A pessoa deu dois passos minha casa adentro e saiu correndo para minha caixa de correio para depois sumir. Corro lá e vejo um novo papel: “Obrigado por me add”. Já percebi que não se trata de um pesadelo. Eu teria morrido muito antes por toda minha displicência.
Novamente a caminho de casa, percebo um cachorro correndo feito louco, vindo do estreito corredor que liga o quintal da frente ao de trás. Nunca tive cachorro. Obviamente, mais um episódio desta trama.
Ao caminhar lentamente pelo corredor, começo a ouvir sons variados. Até que eles ficam mais claros: um mugido, um cacarejo. Tem uma fazenda em minha casa! Vacas, cavalos, galinhas, porcos, plantação disso e daquilo, flores. São tantas coisas que não sei para onde olhar. Mas há algo estranho nesse cenário – sim: mais estranho que uma fazenda em um cubículo de quintal.
Alguém, de blusão e capuz preto, corre desenfreadamente pelo quintal. Rouba o que é possível, pula o muro e foge em disparada. Se me perguntar o que é mais estranho entre ter animais desse porte em minha casa ou ver alguém roubando plantas e fugindo freneticamente, eu preciso pensar na resposta.
No meio da incredulidade, completamente desnorteado, sem saber o que fazer, tenho uma reação inesperada. Pelo menos não é a reação que tenho costumeiramente. Com os olhos bobos, procurando alguma paisagem, falo à meia-voz, não gritando, mas o suficiente para alguém por perto ouvir. “Eu preciso de ajuda”.
- “Chamou?”, uma voz ecoa de dentro de minha casa. Do jeito que meu dia está, não duvido de mais nada. Enquanto corro para dentro, a única palavra que consigo dizer é “Deus?”. Do jeito que está meu dia, por que não?
- “Você quis dizer Google?”. Definitivamente, não é Deus. Primeiramente pela aparência jovial e descolada. “Não, não chamei”. “Mas você precisa de ajuda, e eu estou aqui. A primeira função de qualquer utilidade que se preze. Ajuda. Se importa de olhar por sua janela?”
Olhar pela janela não me parece nada absurdo e perigoso. Então aceito a proposta. “Pense em alguém ou algum lugar. Ou qualquer coisa que você goste ou odeia”, diz a... Ajuda, suponho. Na hora me lembrei da Ritinha, colega da escola que não vejo há anos. Então a rua foi povoada por várias mulheres de idades e aparências diferentes.
- “Você precisa me ajudar a ajudar você”, a ajuda diz, meio que rindo.
Então fui lembrando que ela deve ter minha idade até finalmente recordar do seu sobrenome. De milhares, sobraram apenas umas poucas mulheres. Facilmente a identifiquei. Mal podia acreditar.
- “Quer dar uma volta pela rua? Quem sabe você não dá um oi para ela”.
Aceitei a proposta. Começamos a andar. Poucos metros bastaram para perceber que a padaria mudou de nome. Agora é “Loucos por sonho de padaria”. Curioso, aproximei-me. “Você vai precisar de documento para entrar aí”, fui lembrado cordialmente.
Isso não seria problema, apesar de estranhar tamanha exigência por um simples café. Apanho minha carteira e miro no local onde sempre guardo meu RG. Que não está mais ali. Mas há um cartão. O desenho é de um sonho. Facilmente leio o que está escrito: “Loucos por sonho de padaria – membro”.
Então percebo que minha carteira está bem mais “gorda” que o normal. Não encontro nenhum tipo de identidade, apenas cartões de visita variados. “Eu odeio acordar cedo”, “Só um homem me transforma e o nome dele é José... José Cuervo”, “Não fui eu, foi meu Eu lírico”, “Fui tomar juízo, só tinha Vodka”, “Coloquei silicone na barriga”, “Método para aumentar seu tênis”, entre muitas outras.
Mas um cartão conseguiu me paralisar totalmente. Ele fez o que muitos dizem só ser trazido pela iminência da morte: minha vida passou diante de meus olhos. Palavra por palavra, letra por letra, um simples cartão me sentenciava: “Anão vestido de palhaço mata 8”.
Foi só aí que percebi: não havia prédios, casas, nada. Parecia uma pequena rua comercial, e eu pude identificar cada estabelecimento com um de meus cartões.
- “Vamos continuar”, a ajuda interrompeu, sempre com bastante cordialidade.
Não andamos muito. Duas quadras até chegar a um lindo parque onde centenas de pessoas se encontravam. Mas algo me chamou a atenção. Elas não interagiam. Cada uma permanecia no seu canto. Vez ou outra duas delas trocavam frases curtas, comentários. Não mais que isso. Foi quando a ajuda intercedeu.
- “Quer falar algo para elas? Aqui, use isto.” Era um megafone com uma etiqueta que dizia “Conte algo para seus amigos”. Sem saber o que dizer, apenas falei “Oi” e recebi uns poucos risos como resposta. A ajuda, sabendo de minha timidez, intercedeu novamente.
- “Escute. Tenho duas pílulas aqui. Uma azul, uma vermelha.”
Meus olhos brilharam. Eu, um novo escolhido? Uma realidade paralela à minha espera? É claro que quero a vermelha. Foi quando uma gargalhada ecoou. Não me lembro dessa parte no filme. Era a ajuda.
“Sempre quis fazer isso! Tá me achando com cara de Morfeu? Mané! Tenho pílula coisa nenhuma. Corre para sua casa. Caixa de ferramentas.”
- “Ha - ha - ha. Muito engraçado.” Foi tudo o que consegui dizer antes de voltar em disparada. Na área de serviço, abro a porta de um armário. Lá encontro muitas, muitas latinhas pequenas.
- “É isso?”, pergunto.
- “Quase. Sabe essa fazenda que surgiu aqui? Ela está aí. Encontre a lata. Feche-a. Pronto. A fazenda sumiu”.
E realmente sumiu. Nada de galinhas, vacas, cavalos. Nada. Meu quintal estava de volta.
- “Pode demorar um pouco, mas você encontra muitas utilidades nesse armário. Procure quando tiver tempo. Mas as ferramentas não estão aí.”
Estavam no armário de cima. Uma caixa de ferramentas comum. Mas, quando abro, não há nada. Quer dizer, nenhuma ferramenta. Apenas uma tábua, frases e botões ao lado de cada uma.
Apertei o botão em “Ocultar visitas do perfil”. Todas as fotos em minha porta sumiram. “Não permitir que as pessoas me encontrem por email” foi o suficiente para diminuir o movimento ao redor de minha casa.
“Não quero que mexam na minha caixa de correio!”. Pronto. As pessoas passavam longe.
- “Posso levar essa caixa comigo? Quero muita gente longe de mim”.
- “Fosse fácil controlar a todos, fatalmente você mesmo seria igualmente controlado. Escute. Isso não é um pesadelo, não é uma Matrix, nem nada disso. É você, pura e simplesmente. Mas você está distante, focando excessivamente na superficialidade das pessoas. Não! Não quero dar lição de moral. Quero que você decida o que é melhor. Abra aquela porta, saia de corpo e alma realmente e veja como as relações mudam.”
- “Mas... E você?”
- “Eu estarei aqui. Sempre que quiser e precisar. Na medida certa. Sou uma ferramenta. Não estipulo as relações das pessoas, apenas as sirvo como me pedem. Aperte minha mão.”
Instantes antes de nossas mãos se tocarem, leio na palma da ajuda: “logout”.
Então percebo como meus dedos são capazes de percorrer anos de fotos minhas. Meu rosto, só por hoje, é misterioso. Se alguém perguntar, digo que é uma daquelas fotos velhas, jogadas. “Foi a que achei”. Toco de novo o rosto com as pontas dos dedos. Apesar do susto, agora gosto do que vejo. E continuo a perguntar o que foi isso.
Como de costume, dirijo-me à saída para pegar o jornal. Parece que há algo na porta. Mais dois passos e constato serem imagens. Três passos mais são suficientes para concluir: são rostos. Uma olhada mais cuidadosa, já de cara na porta, me preocupa até certo ponto: conheço tais pessoas, mas não todas.
O susto no banheiro não se compara ao frio que percorre minha espinha quando leio “Visitantes recentes”.
Caminhar pelo quintal até alcançar o jornal sempre foi pacato, corriqueiro. Passos curtos, uma olhada rápida pela vizinhança, o caderno de esportes e o caminho de volta até a porta. Desta vez, tudo foi diferente. Eu estava assustado ao abrir a porta, mas calei-me com o que vi e ouvi depois.
As pessoas falam a esmo – parece que para ninguém, isso quando não gritam – frases curtas, desconexas. Ou então, quando quietas, têm suas ações amplificadas. Elas se expõem por mensagens curtas ou por pequenos gestos. Tão pequenos que são frequentemente substituídos e atualizados.
Enfim, concentro-me no jornal. Apesar de muitas, as pessoas ao redor me parecem alheias. Não é difícil perceber que elas não estão em exibição para mim. Pura e simplesmente, elas querem estar em todos os lugares, eu sou uma consequência.
Ah, sim. Estou aqui pelo jornal. Ele parece diferente. Está menor. Meu caderno favorito é o de esportes. Não o encontro. Tudo o que posso folhear é um caderno maior, “Novidades”. Dentro, um menor. “Felipinho faz aniversário no dia 22 de maio, Ana faz aniversário no dia 23 de maio.”
Eu não sabia. Ao lado da manchete, pude ler “Escreva um recado para Felipinho”. Escrevi em uma espécie de papel em alto relevo que simplesmente se recolheu depois que escrevi a mensagem. Para onde ela foi, não tinha ideia.
Até que abri minha caixa de correio, que, de discreta e de difícil acesso, virou transparente. Qualquer um pode facilmente colocar a mão para pegar os vários pedaços de papel dentro dela. Começo a ler cada um deles. São textos curtos, como recados. “Dia de prova é um baita estresse mesmo, não?”, “É muita falta de sacanagem!!!”, “HAHAHAHAHAHA” e um mais recente: “Opa, valeu pelo parabéns! Vou fazer festa este fim de semana, aparece lá!”.
Percebo um pequeno compartimento separado, este está trancado. Tentarei usar minha chave depois. Mais pequenos papéis encontro perto do lixo. Todos eles parecem santinhos, propagandas e afins. Estão no lugar que lhe cabem, presumo.
Minhas notícias, não encontro. Estou dentro de um pesadelo? Eu troquei de rosto mais facilmente do que faço a barba. Recebi visitas, ou fui informado sobre elas, e ainda acompanhei uma espécie de noticiário que mais parecia um desfile. A rua não me parece tão segura, decido voltar.
Entro em casa e caminho quase nada até ouvir a campainha. Engraçado, agora que ouvi esse som, percebo que a sequência é um tanto óbvia. Uma machadada precisa no meu pescoço é o final perfeito deste roteiro complicado.
Mas não. É apenas... Uma pessoa. Sem machado, pelo menos um visível. “Oi. Add aí!”, ela me diz. “Como?”, pergunto sem entender nada nem reconhecer o rosto, que me parece desfocado e pessimamente refletido em um espelho mequetrefe. Não tenho resposta. A pessoa permanece estática.
- “Quem é você?”, pergunto para novamente não ouvir resposta. “Tudo bem, acho que você quer entrar”. Senti-me mais ou menos como convidando um vampiro, assim assinando meu atestado de estupidez. Além do atestado de óbito, claro.
A pessoa deu dois passos minha casa adentro e saiu correndo para minha caixa de correio para depois sumir. Corro lá e vejo um novo papel: “Obrigado por me add”. Já percebi que não se trata de um pesadelo. Eu teria morrido muito antes por toda minha displicência.
Novamente a caminho de casa, percebo um cachorro correndo feito louco, vindo do estreito corredor que liga o quintal da frente ao de trás. Nunca tive cachorro. Obviamente, mais um episódio desta trama.
Ao caminhar lentamente pelo corredor, começo a ouvir sons variados. Até que eles ficam mais claros: um mugido, um cacarejo. Tem uma fazenda em minha casa! Vacas, cavalos, galinhas, porcos, plantação disso e daquilo, flores. São tantas coisas que não sei para onde olhar. Mas há algo estranho nesse cenário – sim: mais estranho que uma fazenda em um cubículo de quintal.
Alguém, de blusão e capuz preto, corre desenfreadamente pelo quintal. Rouba o que é possível, pula o muro e foge em disparada. Se me perguntar o que é mais estranho entre ter animais desse porte em minha casa ou ver alguém roubando plantas e fugindo freneticamente, eu preciso pensar na resposta.
No meio da incredulidade, completamente desnorteado, sem saber o que fazer, tenho uma reação inesperada. Pelo menos não é a reação que tenho costumeiramente. Com os olhos bobos, procurando alguma paisagem, falo à meia-voz, não gritando, mas o suficiente para alguém por perto ouvir. “Eu preciso de ajuda”.
- “Chamou?”, uma voz ecoa de dentro de minha casa. Do jeito que meu dia está, não duvido de mais nada. Enquanto corro para dentro, a única palavra que consigo dizer é “Deus?”. Do jeito que está meu dia, por que não?
Olhar pela janela não me parece nada absurdo e perigoso. Então aceito a proposta. “Pense em alguém ou algum lugar. Ou qualquer coisa que você goste ou odeia”, diz a... Ajuda, suponho. Na hora me lembrei da Ritinha, colega da escola que não vejo há anos. Então a rua foi povoada por várias mulheres de idades e aparências diferentes.
- “Você precisa me ajudar a ajudar você”, a ajuda diz, meio que rindo.
Então fui lembrando que ela deve ter minha idade até finalmente recordar do seu sobrenome. De milhares, sobraram apenas umas poucas mulheres. Facilmente a identifiquei. Mal podia acreditar.
- “Quer dar uma volta pela rua? Quem sabe você não dá um oi para ela”.
Aceitei a proposta. Começamos a andar. Poucos metros bastaram para perceber que a padaria mudou de nome. Agora é “Loucos por sonho de padaria”. Curioso, aproximei-me. “Você vai precisar de documento para entrar aí”, fui lembrado cordialmente.
Isso não seria problema, apesar de estranhar tamanha exigência por um simples café. Apanho minha carteira e miro no local onde sempre guardo meu RG. Que não está mais ali. Mas há um cartão. O desenho é de um sonho. Facilmente leio o que está escrito: “Loucos por sonho de padaria – membro”.
Então percebo que minha carteira está bem mais “gorda” que o normal. Não encontro nenhum tipo de identidade, apenas cartões de visita variados. “Eu odeio acordar cedo”, “Só um homem me transforma e o nome dele é José... José Cuervo”, “Não fui eu, foi meu Eu lírico”, “Fui tomar juízo, só tinha Vodka”, “Coloquei silicone na barriga”, “Método para aumentar seu tênis”, entre muitas outras.
Mas um cartão conseguiu me paralisar totalmente. Ele fez o que muitos dizem só ser trazido pela iminência da morte: minha vida passou diante de meus olhos. Palavra por palavra, letra por letra, um simples cartão me sentenciava: “Anão vestido de palhaço mata 8”.
Foi só aí que percebi: não havia prédios, casas, nada. Parecia uma pequena rua comercial, e eu pude identificar cada estabelecimento com um de meus cartões.
- “Vamos continuar”, a ajuda interrompeu, sempre com bastante cordialidade.
Não andamos muito. Duas quadras até chegar a um lindo parque onde centenas de pessoas se encontravam. Mas algo me chamou a atenção. Elas não interagiam. Cada uma permanecia no seu canto. Vez ou outra duas delas trocavam frases curtas, comentários. Não mais que isso. Foi quando a ajuda intercedeu.
- “Quer falar algo para elas? Aqui, use isto.” Era um megafone com uma etiqueta que dizia “Conte algo para seus amigos”. Sem saber o que dizer, apenas falei “Oi” e recebi uns poucos risos como resposta. A ajuda, sabendo de minha timidez, intercedeu novamente.
Meus olhos brilharam. Eu, um novo escolhido? Uma realidade paralela à minha espera? É claro que quero a vermelha. Foi quando uma gargalhada ecoou. Não me lembro dessa parte no filme. Era a ajuda.
“Sempre quis fazer isso! Tá me achando com cara de Morfeu? Mané! Tenho pílula coisa nenhuma. Corre para sua casa. Caixa de ferramentas.”
- “Ha - ha - ha. Muito engraçado.” Foi tudo o que consegui dizer antes de voltar em disparada. Na área de serviço, abro a porta de um armário. Lá encontro muitas, muitas latinhas pequenas.
- “É isso?”, pergunto.
- “Quase. Sabe essa fazenda que surgiu aqui? Ela está aí. Encontre a lata. Feche-a. Pronto. A fazenda sumiu”.
E realmente sumiu. Nada de galinhas, vacas, cavalos. Nada. Meu quintal estava de volta.
- “Pode demorar um pouco, mas você encontra muitas utilidades nesse armário. Procure quando tiver tempo. Mas as ferramentas não estão aí.”
Estavam no armário de cima. Uma caixa de ferramentas comum. Mas, quando abro, não há nada. Quer dizer, nenhuma ferramenta. Apenas uma tábua, frases e botões ao lado de cada uma.
Apertei o botão em “Ocultar visitas do perfil”. Todas as fotos em minha porta sumiram. “Não permitir que as pessoas me encontrem por email” foi o suficiente para diminuir o movimento ao redor de minha casa.
“Não quero que mexam na minha caixa de correio!”. Pronto. As pessoas passavam longe.
- “Posso levar essa caixa comigo? Quero muita gente longe de mim”.
- “Fosse fácil controlar a todos, fatalmente você mesmo seria igualmente controlado. Escute. Isso não é um pesadelo, não é uma Matrix, nem nada disso. É você, pura e simplesmente. Mas você está distante, focando excessivamente na superficialidade das pessoas. Não! Não quero dar lição de moral. Quero que você decida o que é melhor. Abra aquela porta, saia de corpo e alma realmente e veja como as relações mudam.”
- “Eu estarei aqui. Sempre que quiser e precisar. Na medida certa. Sou uma ferramenta. Não estipulo as relações das pessoas, apenas as sirvo como me pedem. Aperte minha mão.”
Instantes antes de nossas mãos se tocarem, leio na palma da ajuda: “logout”.
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