sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Crônica Nerd #1: O Segredo - Parte 4/4
[Leia a Parte 3]
Aquela tarde de agosto começou como qualquer outra tarde. Paulo e Milena voltaram, um de cada vez, de seu almoço (só eles sabiam, mas tinham almoçado juntos, como todos os dias) e se encontraram no escritório. A sala de Paulo era bem espaçosa, e tinha, em anexo, um pequeno escritório, onde ficava Milena, sua secretária e namorada. Eles tinham decidido sair mais cedo naquele dia, comer alguma coisa e, quem sabe, passar na casa de Paulo.
Assim eles fizeram. Paulo estava nervoso. Fazia muito tempo que uma mulher não ia em sua casa. Ele saiu primeiro do gabinete. Encontraria Milena em uma rua pouco movimentada, a fim de esconde-la das garras da imprensa. Entrou em seu carro particular - que, aliás, só ele e o guardador de carros presidencial sabiam que era dele - e se dirigiu ao local combinado. Não demorou muito e a garota apareceu, vindo a pé. Ele, particularmente, sentia pena da garota, mas sabia que era o melhor. Só Deus sabe o que aconteceria se a mídia descobrisse sobre o namoro.
"Demorei?" perguntou ela, exibindo seu melhor sorriso.
"Só o bastante pra me fazer sentir saudade" respondeu o presidente, envolvendo-a em um beijo.
Foram, então, até uma lanchonete especializada em comida tailandesa, onde, normalmente, só se encontravam imigrantes e Paulo. Mais uma vez, os dois eram os únicos que sabiam disso, pois a população local nem olhava para o estabelecimento. Uma vez que tinham terminado, conversaram animadamente, como faziam todos os dias. Mas aquele era um dia especial, e Paulo não queria perder o foco.
Levantando-se, pagou a conta, deixando uma bela gorjeta para o garçom, e conduziu a moça de volta ao carro. De lá, foram para sua casa, papeando pelo caminho. O que eles fizeram quando chegaram lá nem eles mesmos saberiam dizer com certeza, mas, quando terminaram, estavam cansados e ofegantes.
Foi só neste momento, que parecia ter sido o momento mais feliz da vida de Paulo desde que começou a receber visitas indesejadas à noite, que ele percebeu. Demoraram muito mais do que o presidente desejaria e ainda mais do que ele esperava: já era noite e Milena ainda estava ali.
"Milena, você tem que ir embora" disse Paulo, de repente, levantando-se de onde estavam.
Ela ficou olhando, curiosa, para ele. Não entendia por que ele se levantara tão de repente, e muito menos por que ele estava falando para ela ir embora. Tudo o que ela queria era que ele voltasse e deixasse que ela se aninhasse em seu peito.
"Por que? O que houve?" perguntou ela.
"Eu não posso explicar. Você precisa ir embora" respondeu Paulo.
"O que aconteceu? Você não gostou?" e, agora, ela parecia decepcionada.
"O que? Não! Não é nada disso, meu amor" disse Paulo, percebendo a mancada que tinha cometido "Você foi ótima, foi tudo ótimo, mas você realmente precisa ir embora".
"Por que?" perguntou ela, curiosa novamente.
"Olha, Milena, é difícil de explicar" disse Paulo, ficando cada vez mais nervoso. Se eles chegassem e ela continuasse ali, não saberia como poderia explicar à ela, especialmente se fosse a mulher. Nem o próprio Paulo sabia como eles entravam em sua casa e, inclusive, já tinha tentado trocar a fechadura dúzias de vezes e aprimorar ainda mais o sofisticado sistema de segurança das portas, mas eles continuavam entrando. "Tem uma coisa que não dá pra explicar".
"Mas, Paulo" disse ela, ainda curiosa "Se nós somos namorados, nós não precisamos ter segredos um do outro".
Ela ficou ali, olhando para ele enquanto ele começava a suar frio. Seus olhos pareciam encoraja-lo a contar, mas ele não sabia por onde começar.
"Olha, isso vai soar muito estranho, mas eu tenho... Eu meio que tenho..." ele não sabia qual seria a melhor palavra para usar. "Eu meio que tenho recebido algumas visitas à noite..."
Milena olhou para ele com cara de quem não entendia e, de repente, suas feições mudaram, enchendo-se de compreensão.
"Eu não acredito! Você tem outra!" disse ela.
"O quê? Não! Não é nada disso, meu amor! Você é única para mim" disse Paulo, percebendo, mais uma vez tarde demais, que tinha feito algo que não devia.
"Então quem são essas visitas, senhor presidente?" perguntou ela, mal humorada.
"Olha, Milena... Isso vai soar meio estranho... Talvez você ache que sou louco, mas... Essas pessoas estranhas... Elas simplesmente entram na minha casa à noite, ou onde quer que eu esteja, e começam a falar coisas para mim... Eu não sei de onde eles saem, ou como eles entram, mas eles simplesmente aparecem e falam coisas..."
"Que tipo de coisas?" perguntou Milena, verdadeiramente interessada.
Ela tinha o capturado, e ele sabia disso. Não poderia mentir, se quisesse ser sincero com ela. Mas, se ele falasse a verdade, será que ela acreditaria, de qualquer jeito? Ou, pior, será que ela aceitaria aquela verdade, mas não as circunstâncias? Resolveu arriscar.
"Eles são como mentores para mim" disse ele "Não no bom sentido, na verdade. Eles meio que me obrigam a fazer coisas. Você se lembra da Ponte dos Arcos?" Ela acenou afirmativamente com a cabeça, então Paulo continuou: "Foram eles que me disseram para reforma-la. Lembra-se da verba que eu atribuí para a alimentação das famílias carentes no sertão?" Mais uma vez, ela confirmou com a cabeça "Pois bem. Foram eles também. Praticamente tudo o que eu tenho feito em prol da população desde uns dois anos até agora, foram eles que me... Foram eles que disseram para eu fazer" achou que a palavra 'obrigaram' ia soar pesada para o momento.
"Mas, Paulo... Eu não entendo... Quem são eles? Quem são essas pessoas?" perguntou Milena e, agora, ela estava começando a ficar preocupada. Paulo abriu a boca para falar que não sabia, mas uma voz o interrompeu:
"Isso mesmo, Paulo... Quem somos nós?"
Paulo se virou para olhar. Era a mulher, a que os outros chamavam de 'nossa mestra'. Ela era extremamente branca e o capuz preto que ela estava usando naquela noite não estava ajudando em nada com isso. O capuz quase escondia seus olhos, mas Paulo sabia que ela era linda.
"Pois muito bem" disse Paulo, extremamtente irritado. "Então, estamos em uma pequena reunião em família, certo?"
A fúria nos olhos de Paulo era compreensiva, mas Milena não conseguia ver para onde ele estava olhando, já que havia um armário escondendo a porta de seus olhos. Ela se endireitou e se esticou para olhar, mas ainda não conseguia ver para onde ele estava olhando.
Paulo estava furioso. Eles não tinham o direito de interromper seu momento com Milena. Eles não tinham o direito de invadir sua casa. Eles não tinham o direito de acabar com sua vida.
"Pois muito bem, Milena" disse ele. "Agora você pode ver com seus próprios olhos que não estou mentindo. Ela é a líder desse grupo".
"Mas, Paulo..." começou ela, querendo dizer que não estava vendo ninguém além da porta, para onde ele olhava, mas foi interrompida por ele.
"Não! Vocês invadiram minha casa pela última vez. Agora chega! Você vai sair daqui por bem ou vai por mal?" disse ele, enraivecido.
"Você consegue me pegar?" perguntou a mulher e, dizendo isso, se virou e saiu do campo de visão de Paulo.
A fúria tomou conta de suas pernas e ele saiu correndo em direção ao corredor espaçoso, gritando enraivecido. Milena o seguiu, correndo também e, quando conseguiu alcança-lo, viu uma coisa que jamais esperava ver.
Sua mente não conseguia entender. Seu cérebro recusava-se a acreditar. Mas ali estava: Paulo, rolando sozinho no chão da cozinha, tentando golpear alguém que não existia. Ela tentou gritar para que ele parasse, mas os gritos de Paulo foram mais altos, xingando uma mulher que não existia. Por vezes, ela chegou a pensar que os xingamentos eram dirigidos a ela.
Paulo, no entanto, urrava a cada golpe que recebia da mulher. Suas garras eram mais afiadas do que pareciam e ela conseguiu joga-lo de costas para o chão e se levantar. Paulo levantou-se, também, aproveitando o momento para respirar e, então, se jogou com tudo para cima da mulher, empurrando-a para fora de casa.
Milena seguiu em seu encalço, gritando seu nome, clamando para que ele parasse. Pouco a importava que estivessem os dois do lado de fora vestindo quase nada. Ela só queria que ele parasse. Mas então, ele se jogou com as mãos em forma de concha, como que para agarrar um pescoço invisível, e caiu na piscina, num lugar onde Milena não conseguia enxergar, e nunca mais voltou a emergir por suas próprias forças, sendo retirado dali horas depois por um grupo de bombeiros.
Milena, que não conseguiu se mover depois do ocorrido, foi encontrada olhando fixamente para a piscina, chorando, ainda vestindo quase nada, encostada na parede da casa. Poucos dias depois foi diagnosticada com trauma profundo, completamente louca. Ninguém jamais saberia o que aconteceu. O segredo estava guardado.
2 comentários:
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POxa esse texto termina realmente aqui?? Que pena bastante interessante.Quem é o autor?Abraco e Parabens pelo Blog.
ResponderExcluirOlá, Rani! Que bom que gostou de nossa primeira crônica. Ela realmente acaba aqui, com um final meio suspenso mesmo. Hehe...
ResponderExcluirO autor sou eu mesmo, editor do blog. Espero que tenha realmente gostado e volte sempre. Qualquer sugestão é só comentar. Um abraço!