terça-feira, 6 de abril de 2010

O épico do ônibus

Causos de quem fica preso na chuva

 Olá, queridos leitores! Aqui estou eu de novo, desta vez para contar a vocês a história de um grande épico da história da humanidade. Bom, não. Mas eu espero que vocês se divirtam!

A partida

 Na noite da segunda-feira, 6 de abril de 2010, estava eu tranquilamente saindo da faculdade, como sempre faço, me dirigindo ao terminal do ônibus a fim de fazer a rápida viagem de volta para a casa de minha tia, onde fico "hospedado" durante a semana em meu período acadêmico. Estava tudo tranquilo até então. Chovia forte, mas nada preocupante. Sentei-me ao lado de uma mulher no ônibus e aguardei enquanto o ônibus partia. Não demorou muito para a chuva começar a ficar violenta, no entanto, enquanto o motorista conversava algo sobre uma mistura de água, álcool e detergente com a cobradora (algo que ele usara para desembaçar os vidros), a moça ao meu lado casualmente comentou: "Nossa, que chuva, hein?". Mal sabia ela que estava prestes a passar cinco horas dentro daquele ônibus.

A bêbada

 Seguindo tranquilamente o trajeto do ônibus, eis que uma peculiar passageira entra no ônibus, senta-se no primeiro banco dos idosos (aquele que fica antes da roleta) e, enquanto outros passageiros embarcavam, pediu carona ao motorista até o hospital, pois estava passando mal. Todos, inclusive o motorista, perceberam logo de cara que o mal dela era a manguaça, mas o motorista, a contragosto, aceitou encaminhá-la ao hospital mais próximo. No entanto, ao chegar no ponto do hospital, a senhora recusou-se a descer, dizendo que estava tonta e não conseguiria andar até lá sozinha. Enfezado e protestando veementemente (sem usar-se de palavras de baixo calão, algo que admirei nele), partiu discutindo com a cobradora o que fazer com a senhora. Acabaram concordando em, ao chegar no terminal, deixá-la sentada lá e chamar uma ambulância para levá-la. Mal sabiam eles...

O trânsito pára

 Finalmente, o trânsito, que àquela hora já é difícil normalmente, parou. Não sei quanto tempo foi ao certo, mas pareceu uma eternidade, e o ônibus andou menos de três metros, até que o motorista decidiu desligar o motor. Vendo que eu não iria a lugar algum até que o trânsito andasse, peguei meu celular e comecei a jogar Tetris. Fiz minha melhor pontuação e joguei uma única partida por mais tempo que jamais tinha jogado, ficando feliz com isso, mas também satisfeito e sem vontade de jogar mais. Foi quando eu vi...



O mar

 Tudo à volta do ônibus era água. Mal daria pra notar se tivesse um rio por perto. Todos os carros que outrora estiveram na rua agora estavam encostados no barranco que a margeava, tentando se proteger da água. Motoristas ilhados, passageiros ilhados, pessoas se aventurando contra a correnteza. Certamente, uma imagem que eu nunca esquecerei. A fim de ventilar melhor o ônibus, o motorista abriu ambas as portas, dianteira e traseira, mas o que os passageiros começaram a fazer foi tirar fotos com seus celulares. Eu mesmo tirei algumas.



O camelô que salvou a pátria

 Em meio a muita fome por parte da maioria dos passageiros, eu ficava me perguntando por onde andava o homem que gritava "amendoim!" que havia passado por ali enquanto eu ainda estava começando meu jogo de Tetris. Então, de repente, eis que surge não o vendedor de amendoim, mas um vendedor ambulante, desses que carregam cachos de mercadorias presas em um gancho. Com exceção da civilidade das pessoas, a cena me lembrou muito cenas de países pobres ou assolados por alguma grande força da Wyrm (destruição) que recebiam mantimentos, pois muitos passageiros se amontoaram à uma das janelas do ônibus, aonde o camelô havia parado. Não tenho certeza, mas creio que ele conseguiu vender tudo o que restava em seu cacho. Acabei comprando a coisa que julguei forrar melhor o estômago: dois pacotinhos de amendoim revestidos de chocolate. Concordo que não é uma opção melhor que os mistos quentes com os quais eu sonhava encontrar em casa, mas era a melhor opção que o ambulante possuía - as outras opções eram balas e chicletes. Sentei-me de volta em meu lugar, ofereci amendoim à moça sentada ao meu lado e a uma segunda mulher que estava sentada no banco da frente, mas agora estava virada para conversar com minha companheira de banco, mas nenhuma das duas aceitou, então comecei a comer meu amendoim tranquilamente. Quando eu havia chegado no segundo pacotinho, lembrei-me de duas pessoas que estavam naquele ônibus não porque queriam chegar em casa, mas porque estavam trabalhando. Ofereci um pouco de meu amendoim ao motorista e à cobradora, o que os fez abrir um belo sorriso e incentivou outros passageiros a doarem um pouco de seus "mantimentos" aos dois trabalhadores.

A bêbada 2: a vingança

 Em determinado momento, a estranha passageira que havia se instalado pedindo carona para o hospital começou a falar coisas totalmente sem sentido, o que fez o motorista pular a roleta para ficar longe dela e conversar com os demais passageiros. Acontece que o assunto principal foi ela mesma! Enquanto motorista e passageiros conversavam coisas como "Você não viu que ela estava bêbada?" e "Desde antes de ela subir", aproveitando-se de um momento de silêncio, a senhora embriagada gritou "O que eu bebo é Red Bull", causando uma explosão de risadas dentro do ônibus. Mas não parou por aí. A bêbada começou a gritar coisas sem sentido, como "Quero fazer cocô!", cantar (músicas evangélicas, para meu espanto) e contar causos. Um deles que me chamou a atenção eu conto a seguir: "Aí eu tirei as rôpa, tirei as calcinha e entrei na Igreja Universal. E o que que o pastô falô? É o Diabo que tá entrando aqui! Tira o diabo dela! Aí começô a tirá o demôin de mim, e me sacudiu, e eu peladona". Realmente eu não tiro a razão do pastor. Aquela visão deveria ser muito próxima ao Tinhoso.

A travessia do rio

 Enquanto estávamos no conforto (limitado) do ônibus, muitas pessoas se aventuravam nas ruas. Motoristas dos carros ilhados tentando salvar suas vidas enquanto deixavam seus carros para trás (inclusive o motorista de um Gol branco que, ao descer, abriu a mala e colocou qualquer coisa que estivesse no nível inferior do compartimento e o colocou no nível superior, o que mais tarde provou-se uma atitude sábia, já que o carro foi quase engolido pela água até exatamente o nível inferior da mala), pedestres tentando alcançar o outro lado da rua ou a estação de metrô, toda a sorte de pessoas desesperadas por abrigo. Em determinado momento, passaram dois homens tentando atravessar a rua, um com mais medo que o outro, se agarrando em tudo o que podiam. Um deles tinham um pedaço de madeira na mão, com o qual ia vasculhando a rua a fim de encontrar possíveis buracos e ainda cantava o "Rebolêishon". O engraçado foi o que passou em seguida: uma mulher sozinha sem medo nenhum "rushando" (quando você tenta ir de um lugar ao outro no menor tempo possível) e nem se importando por quase ter caído quando tropeçou no meio fio invisível. Foi quando um dos passageiros comentou: "Bom seria se Moisés estivesse aqui" e arrancou algumas risadas e sorrisos amarelos.

Tirando água do joelho carro

 Uma das cenas que tinha o maior potencial para ser a mais cômica da noite o seria se não fosse tão trágica. Em meio ao rio formado na rua, um dos motoristas tentava veementemente salvar seu Celta prateado. Com uma garrafa de água cortada para formar uma espécie de balde, ele tentava tirar toda a água que podia do carro, exatamente como nós vimos em tantos filmes e desenhos (a diferença é que normalmente são barcos, não carros). Piadista, o motorista do ônibus comentou: "Mas eu não tiro a razão dele não. Imagina: você passa a vida inteira tentando comprar um carro decente. Quando finalmente consegue vem uma enchente pra destruir ele? O que que tu faz? Salva ele". E o homem continuou tentando tirar a água do carro por umas boas horas, atraindo todo o tipo de olhares curiosos. Nem quero saber o tamanho e a cor dos braços dele hoje...

A travessia do rio 2: a decisão

 Finalmente, um dos passageiros, um jovem que trajava o uniforme do estado (aquele que foi adotado pelas escolas estaduais), se adiantou em direção à porta. "Aonde você pensa que vai?" disse o motorista. "Vou embora" ele respondeu como se fosse a coisa mais natural do mundo se jogar naquele rio. Ele se explicou dizendo que ia tentar chegar na estação de metrô, pois morava em Guadalupe. Depois que o menino saiu, o motorista disse: "Admiro a coragem dessas pessoas. Eu mesmo tentaria atravessar esse rio, mas esse sapato custou só cento e dezenove. É, eu não tentaria", e arrancou mais algumas risadas.


Uma família e um motorista foram salvos

 Em determinado momento, o motorista resolveu dar a ré para ficar em um lugar onde tivesse menos água. O motivo pelo qual ele não ter feito aquilo até aquele momento foi esperar a água abaixar pelo menos um pouco. "Eu não posso ligar o ônibus agora, porque as duas entradas de ar ficam exatamente aonde o carro acaba. Eu ligo o motor, eu ligo duas turbinas junto que vão sugar toda essa água. A água vai pro motor na hora e eu vou pra rua no dia seguinte". Aproveitando que a água tinha descido a um nível razoável, deu ré. De repente, entram pela porta de trás quatro pessoas, provavelmente marido, mulher e duas filhas (ou não, já que o rapaz parecia jovem demais para ter filhas daquele tamanho) pedindo para ficarem lá. "A gente paga a passagem, mas podemos entrar por aqui?" ao que o motorista pediu que a cobradora assumisse seu posto. Se eles não eram todos da mesma família, ao menos eram amigos bem próximos. Pouco depois, entrou um segundo homem pela porta de trás, sem dizer nada, obviamente tentando se aproveitar do ônibus para se abrigar. O motorista perguntou algo que não entendi para o homem, ao que ele respondeu "Não, pior que meu carro tá ali", apontando para um Astra prateado completamente ilhado.

O homem que veio andando

 Subitamente o número de passageiros diminuiu, porque uma grande caravana decidiu tentar ir para a Central a pé, na esperança de chegar à estação de trem. Pouco depois, o número subiu novamente, pois alguns novos passageiros embarcavam. Um deles, um senhor, sentou-se no banco da frente de onde eu outrora estivera (eu mudei de lugar quando o ônibus esvaziou para dar mais espaço à minha companheira de banco e a mim mesmo). Dando seu depoimento para quem quisesse ouvir, o senhor dizia ter vindo da Central a pé. No caminho, ele foi surpreendido por uma casa noturna aberta no meio da confusão. Estava rolando um baile funk lá dentro. Ele contou que não pretendia ficar nem um segundo lá, mas não demorou para um grande arrastão sair de dentro, roubando tudo e todos que tentavam se proteger da chuva. Confirmando seu depoimento, o som de um tiro surgiu ao longe. Enquanto todos comentavam sobre o tiro, virei para minha companheira de banco e disse: "Foi só um saco de pipoca que estourou".

O trem passa ou não passa?

 Não muito depois da caravana ter saído em direção à Central, uma das passageiras recebeu um telefonema de uma amiga, que dizia estar na Central esperando o trem, mas que o trem não estava passando. Bom, foi isso que ela entendeu, pelo menos, porque pouco depois o trem passou ao lado da rua (e o metrô também). Com uma boa dedução, o motorista disse: "Deve estar tão apinhado de gente que ficou imposível o transporte".

O lugar de sempre

 Uma rapidinha: uma das passageiras, ao receber uma ligação e provavelmente ser perguntada "Aonde você está?" respondeu "No mesmo lugar de sempre", arrancando mais algumas risadinhas.

A vitória

 Finalmente, depois de cinco horas parados, os ônibus em nosso redor começaram a se aventurar na rua alagada. Vendo o esforço de seus compatriotas, o motorista de nosso ônibus encheu-se de coragem e foi atrás deles. O ônibus avançou com tudo por cima das ruas cheias de água, me fazendo sentir uma sensação de vitória muito grande. É bem verdade que, em um momento, indeciso quanto a que direção tomar, o motorista subiu em algum lugar onde não deveria ter subido com uma velocidade que não deveria ter tomado, e o bote ônibus quase virou, mas não virou! Em todos os pontos de ônibus, passageiros aguardavam ansiosamente sua passada, o que me fez retomar meu primeiro lugar ao lado daquela moça. Eu mal conseguia acreditar. Finalmente estávamos indo para casa. Ao chegar em meu ponto, despedi-me dela (afinal, eu tinha passado cinco horas com ela e os demais passageiros) e desci, sabendo que apenas uma subida me separava da casa de minha tia, a qual eu fiz em tempo recorde (primeiro por causa da vontade de chegar em casa logo, segundo porque não haviam carros passando na rua então não precisei esperar para atravessá-las) e, finalmente, pouco antes da meia-noite, entrei em casa, pronto para usar o banheiro e comer tudo a que tivesse direito.

Agora é sua vez!

 E você? Também passou um perrengue durante esta ou qualquer outra enchente? Não deixe de comentar! Espero que este artigo tenha servido para divertir a vocês tanto quanto ele divertiu a mim. Até a próxima!

2 comentários:

  1. Cara amei o seu comentário sobre sua longa viagem de ônibus ontem . Hilária porque eu não estava nesse sufoco. A sua generosidade em dividir o pouco que tinhas para comer é bem próprio de quem tem Jesus no coração. Valeu !!!!!! Me diverti bastante, porém espero que não passes por outra igual, apesar de que no Rio é só chegar na janela e cuspir que já tem enchente.

    ResponderExcluir
  2. thi, que sufoco, hein!?! Quando vc não tiver assunto pra conversar com alguém pode contar essa que ela vai se amarrar!!!! bjim

    ResponderExcluir

Regras para um blog melhor:

1) Não poste comentários ofensivos e nem que contenham palavrões ou qualquer tipo de conotação sexual;
2) Não será tolerado qualquer tipo de preconceito;
3) Não floode;
4) Não anuncie seu site aqui. Nós temos uma área de parceiros dedicada a você. Contate-nos pelo formulário de contato;
5) Seja educado e use o bom senso.